Qual mãe, em seu perfeito estado mental, se exporia a esta verdadeira “tentativa de homicídio de incapazes” pelas ruas das cidades brasileiras? Nenhuma, claro. Mas na Holanda, nada mais corriqueiro.
À propósito da visita e comentário da Claudine Bernardes (http://acaixadeimaginacao.com/) sobre meu post “O Ciclo Turismo de Luto”, onde por sugestão dela decidi postar meu comentário, gostaria de esclarecer que este é apenas o meu ponto de vista.
Muitos podem – e vão mesmo – me achar “radical” ou “xiíta” demais com relação ao automóveis, mas… sinto muito. Não vejo como se viver nos grandes centros urbanos do mundo num futuro muito próximo, se não através do total impedimento da circulação dos automóveis por determinadas áreas centrais das cidades. Estas áreas centrais devem ser de uso exclusivo de veículos de serviços públicos (limpeza urbana, serviços de sáude, segurança, transporte público de massa etc.), motocicletas e ciclomotores (preferencialmente elétricos) e bicicletas (elétricas ou não). Só.
Não são só pobres… Não são só desportistas… São pessoas cuidando de seus afazeres diários sem poluir, sem engarrafar e cuidando da própria saúde. Apenas isso.
Não se trata da “opinião pessoal” de cada um ou de “exercer seu direito” de usar um automóvel que comporta quatro ou cinco passageiros, sozinho. E uma questão de bem comum e qualidade de vida PARA TODOS.
Utopia? Sonho? Devaneio? Loucura? Claro que não! Seria mais fácil achar loucura se um sujeito chegasse pra mim e dissesse que está afim de mandar uns caras até a lua para dar uma caminhada de boberex e ver como estão as coisas por lá. E nós já fizemos isso há uma cacetada de décadas atrás. Hoje tem até uma “estação” flutuando no espaço… com gente morando dentro e tudo!
Na Holanda, o país implantou a hegemonia ciclística à despeito das poucas vozes contrárias.
É possível e é factível. E é possível e factível aqui no “terceiro mundo” sim, embora eu ainda não saiba bem como é esse troço de “primeiro”, “segundo”, “terceiro”, “quarto” mundo… Achava que fosse UM MUNDO SÓ, mas… vai saber! O que torna essas ações “impossíveis” é a falta de vontade. É a falta de coragem em quebrar paradigmas extremamente lucrativos para uma minoria e extremamente prejudiciais para a maioria.
Mas daí você pode perguntar: por quê a MAIORIA se deixa prejudicar pela MINORIA, ora bolas?!
Em Londres, a coisa já é tratada como tráfego comum, com regras, legislação e tudo mais. Os problemas existem, afinal, são seres humanos que pedalam, mas… economia, ecologia e saúde à vontade.
A MINORIA é muito esperta e inteligente. Ela imprime um estilo de vida duro, repetitivo, sem muita estabilidade, sem muita segurança e sem muito TEMPO DISPONÍVEL para a MAIORIA, fazendo com que ela, a MAIORIA, não faça aquilo que seria o fim das vantagens da MINORIA: PENSAR!
Imagens como esta… só num domingo… à título de lazer…
Sem pensar, a MAIORIA aceita de forma tácita que, “qualidade de vida” é um grande, belo e bem equipado carrão para que você possa ficar preso no trânsito durante a hora ou duas que leva para ir até o seu trampo, enquanto os “sem qualidade de vida” – OS SEM GRANA – se divertem dentro de um trem superlotado, um metrô capenga, um ônibus que é uma piada ou… ANDANDO DE BICICLETA, que como meu amigo e mentor, Elvis Barbosa (https://blogdoalcaide.wordpress.com/), O Alcaide de Ilhéus, Bahia, costuma dizer, é o veículo que os políticos pensam ser destinado aos pobres se locomoverem.
Ciclovias e ciclofaixas no Brasil são focadas no lazer. Via de regra, truncadas, sem continuidade e operadas em conjunto com transportes públicos sofríveis.
Segue aí o comentário que virou post.
Espero que gostem.
Grande abraço à todos.
“Claudine.
Primeiro de tudo, obrigado pela visita e comentário. Retribuirei, com certeza.
Pois, é… essa tragédia com essa menina me deixou algumas impressões bem fortes. Acho que a constatação de que a vida pode realmente ser muito cruel e impiedosa é a maior delas. Veja… ela saiu da bastante consistente segurança de sua terra para conhecer o mundo – ou parte dele – em cima de uma bicicleta. Não estava fazendo nenhum mal a ninguém, muito ao contrário, estava difundindo um modo de vida saudável, respeitoso ao planeta e extremamente sociável. Perdeu a vida de uma forma injusta, num canto esquecido pelo progresso social e educacional e regido pela “justiça” da desonestidade e do poder. Pelas mãos de um irresponsável, que como punição, pagará alguns tostões pelos serviços de um advogado para no fim das contas, gastar mais alguns tostões em cestas básicas, quando muito, e se acontecer. Lamentável, para se dizer o mínimo, né?
Interessante mesmo é quando você fala que “até achava normal” ter os veículos passando alguns centímetros da sua cabeça, e que só foi entender o absurdo que isso significava quando mudou-se para a Espanha. Você resumiu bem um clichê usado para definir os países subdesenvolvidos: “A IGNORÂNCIA É UMA BENÇÃO”.
Aqui no Brasil, vivemos achando normalíssimo que as ruas, avenidas, estradas, calçadas, cidades e até o interior de casas, lojas e escritórios sejam de propriedade exclusiva e soberana dos automóveis. Eles podem tudo. Até mesmo subir nas calçadas, entrar nas casas e lojas, e passar por cima de nós quando decidirem que é hora de fazer isso. O que dirá das ruas, avenidas e estradas? Lá, eles têm a licença de morte sem punição.
Muito se fala ao redor do mundo sobre o problema das armas de fogo, mas, esquece-se do problema ainda maior das armas com motor à explosão, os veículos. Eles matam mais que armas em guerras e violência urbana e, de quebra, ainda nos dão totalmente “de grátis” a poluição do ar. Grande negócio, não?
Mas os automóveis – assim como as armas de fogo – não saem por aí matando gente. Meu carro mesmo passou esta semana sozinho na garagem e não saiu de casa uma vez sequer para nada. Nem matou ninguém!
O problema somos nós mesmos. Conheço muitos ciclistas diletantes e praticantes que quando sentam ao volante de seus automóveis, transformam-se em competidores e pilotos de prova em disputa de um grande, enorme e magnífico prêmio: vencer a si próprios e seus complexos de inferioridade adormecidos em suas entranhas. Eu mesmo, na juventude, quando a gente se acredita “imorrível”, já cometi meus pecados contra ciclistas indefesos, tendo sempre sido um deles. E posso garantir que não passo muitos dias sem me recordar desses momentos e me sentir um grande idiota por não poder voltar ao passado e consertar isso.
Tenho acompanhado algumas atitudes e mudanças com relação ao ciclismo como meio de transporte pessoal – principalmente na Inglaterra e aí na Espanha – e só vejo aumentar a distância do Brasil em relação à uma educação mínima sobre isso. Muito mínima mesmo. Em termos de uso da bicicleta como veículo de transporte, Inglaterra e Espanha estão para o Brasil assim como nós estamos para as amebas mais primitivas. E isso sem mencionar países como Holanda, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Bélgica etc. É desanimador, Claudine…
Bem… chega de lamentação, não é? Grande abraço, tudo de bom e bons pedais pra ti e todos aí.
Mais uma vez, obrigado.”